Apesar do altíssimo índice de sucesso da artroplastia do quadril, o procedimento pode ser acometido por diversas complicações potenciais. De maneira geral, as complicações de uma artroplastia total de quadril giram ao redor de 1-2%. As complicações sistêmicas dizem respeito à parte clínica do paciente e envolvem trombose venosa profunda, embolia pulmonar, arritmias cardíacas, infarto do miocárdio, anemia e infecção do trato respiratório e urinário. As complicações locais envolvem lesão vascular, paralisias nervosas, luxação, osteólise, desgaste, fadiga e afrouxamento do implante. Além destes eventos, existe o risco de uma infecção acometer a artroplastia (2,7,41). Trata-se de uma grave complicação que normalmente exige um ou mais procedimentos cirúrgicos.

A seguir, segue a descrição de algumas das mais comuns e importantes complicações relacionadas à artroplastia do quadril.

  • Tromboembolismo: uma das complicações clínicas mais comuns. Atinge a sua maior incidência no terceiro/quarto dia de pós-operatório; 1% dos pacientes não tratados da trombose venosa profunda podem evoluir para embolia pulmonar, evento clínico sério responsável por mais de 50% da mortalidade pós-operatória.
  • Luxação: pode ocorrer em até 3% nas artroplastias primárias e em até 10% nas revisões. A luxação ocorre mais comumente até seis semanas da cirurgia, mas pode ocorrer muitos anos após o procedimento cirúrgico, acompanhadas por soltura dos componentes. Pacientes que apresentam luxações traumáticas agudas tem melhor resposta à redução e imobilização Fig. 16.

Fig. 16. Exemplos de luxação de prótese total de quadril pelos mais diversos motivos.

  • Lesão nervosa: pode ocorrer em até 3,5% nas artroplastias primárias e em 7,5% nas revisões. Pacientes submetidos à artroplastia por sequela de displasia do desenvolvimento do quadril tem um risco aumentado, que chega a 5,2% nas artroplastias primárias. Podem estar envolvidos os nervos ciático, femoral, obturador e o fibular. Geralmente não se consegue identificar a causa (2,7,41).
  • Lesão vascular: é uma lesão rara (0,2 a 0,5%). Vasos e nervos intra-pélvicos estão sob risco de lesão com a colocação dos implantes.
  • Discrepância de membros: uma das percepções mais comuns por parte dos pacientes, uma vez que o desgaste provoca um encurtamento no membro ipsilateral, além das contraturas rígidas em coluna e articulação sacro-ilíaca.
  • Infecção : apresenta uma incidência de 1 a 2% nas artroplastias primárias e 7 a 9% nas revisões. Os microrganismos Staphilococcus aureus e o S. epidermidis são responsáveis por 50 a 75% das infecções. Ocorre ainda uma incidência aumentada em pacientes com diabetes, obesidade, artrite reumatóide (até 10% de infecção), lúpus eritematoso sistêmico, gota, desnutrição, uso de drogas imunossupressoras e uso de corticóides. Fitzgerald divide a infecção em três tipos: aguda (até 3 meses), tardia (3 a 24 meses) e tardia hematogênica (após 24 meses). Recomenda-se a profilaxia antibiótica com cefalosporina de primeira geração, mantida por 48 horas, embora estudos recentes tenham indicado que apenas uma ou duas doses após a cirurgia tenham a mesma eficácia. O acompanhamento do paciente com infecção é feito por meio do controle da contagem de células brancas sanguíneas, da velocidade de sedimentação eritrocitária e da proteína C reativa. O tratamento varia coma antibioticoterapia, drenagem, debridamento e ressecção artroplástica. A revisão pode ocorrer em um ou dois tempos, com uso de espaçador com antibiótico (2,7,41).
  • Afrouxamento asséptico: radiograficamente manifesta-se como uma zona de radioluscência na interface metal-osso ou cimento-osso. As zonas de radioluscência femoral (proposta por Gruen) e acetabular (proposta por De Lee e Charnley) podem ser indentificadas conforme a Figura 17. Normalmente resulta de picos torsionais em retroversão, como para se levantar de uma cadeira ou subir escadas. Forças axiais também podem estar presentes. Uma superfície de metal áspera pode aumentar a força de união entre o implante e o cimento. Entretanto, com a soltura progressiva, o movimento entre as superfícies gera um mecanismo abrasivo que produz inúmeras partículas de metal e de cimento. Com a utilização de implantes de superfície lisa este efeito é menor. Utilizando a técnica de cimentação de primeira geração, com seguimento variando de 15 a 20 anos, a taxa de soltura variou entre 7 e 36% para o componente femoral. Quando se utiliza a técnica de cimentação de segunda geração, as taxas de soltura para um seguimento de 9 a 18 anos variam entre 1,3 a 6%. Em relação ao componente acetabular, as taxas de soltura para um seguimento de 17 a 20 anos podem variar de 15 a 54% dependendo da técnica e do material utilizado (2,7,41).

Fig. 17. Zonas de radioluscência femoral e acetabular

  • Metalose e osteólise: a osteólise periprótese é uma comum e importante complicação associada com a artroplastia do quadril, ocorrendo predominantemente em próteses não-cimentadas. Sua prevalência aumenta com o tempo de seguimento e está relacionada a três fatores principais: (1) número de partículas de debris, (2) distribuição destas partículas pelo fluído articular para a região periprótese e (3) o tipo de reação biológica, capacidade de ativação dos macrófagos e osteoclastos que promovem a reabsorção, gerando uma substância preta como o petróleo (metalose)(Fig. 23.24). O desenvolvimento e a produção de debris tem surgido como a principal ameaça à sobrevida de uma prótese de quadril, principalmente da não-cimentada. Entre os principais fatores produtores de debris estão o tipo de metal, o tamanho da cabeça femoral, a quantidade de debris de polietileno, a modularidade, o micromovimento e a atividade diária do paciente. A osteólise costuma ser assintomática quando os componentes estão bem fixados. O momento ideal para se fazer a reintervenção depende da fixação do implante, dos sintomas do paciente, do grau de perda óssea e da localização da osteólise (2,7,41).
  • Squeaking: o fenômeno do “squeaking”, como já citado anteriormente, é um som audível que ocorre durante a movimentação do quadril, semelhante a uma dobradiça de porta sem lubrificação e tem sido reportado em associação com todos os tipos de superfícies, mas ficou mais popularizado na associação cerâmica-cerâmica. Observou-se recentemente diferentes “taxas de squeaking” em associação com diferentes designs de hastes, mas com superfícies de cerâmica-cerâmica idênticos. As características acústicas são muito diferentes entre diferentes designs. Além disso, o “squeaking” também é diferente em função do número de ciclos testados. Jarrett et al. observaram que a incidência do “squeaking” na associação cerâmica-cerâmica pode ser muito maior que a previamente reportada de <1%. As causas e implicações do fenômeno ainda necessitam ser melhor determinadas (2,7,41).
  • Ossificação heterotópica: é a formação de osso lamelar maduro sobre tecido não-ósseo, sendo metabolicamente ativa e histologicamente similar ao osso nativo, com aumento do número de osteoblastos e osteoclastos. Pode comprometer a adaptação de próteses ou atos de sentar ou deitar de forma confortável, sendo indolor, mas pode levar a diminuição da mobilidade. Não causa claudicação ou perda de força. Nenhuma evidência indica que o aumento dos detritos ósseos produzidos na artroplastia total do quadril sem cimento induzam a formação de osso heterotópico. Da mesma forma, não há diferença estatisticamente significativa na incidência total ou gravidade da formação óssea entre grupos com artroplastias total de quadril cimentadas e não-cimentadas.
  • Fratura periprotética e da prótese: a fratura periprotética ocorre mais freqüente em ossos poróticos e em pacientes idosos. As fraturas podem ocorrer tardiamente após quedas ou traumas. As fraturas dos componentes podem ocorrer por fadiga (maioria dos casos) ou por ruptura frágil (se houver alterações nas especificações e/ou na baixa qualidade dos materiais) (2,7,41) Fig. 18.
Fig. 18. (A), (B) e (C) Fraturas periprotéticas; (D) e (F) fraturas das hastes femorais.

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Dr. Leonardo Boschin

Ortopedista Especialista em
Quadril em Porto Alegre

Nascido no Rio de Janeiro (RJ) em 1974, foi aprovado em 1° lugar para graduação em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (1992 -1997). Residência médica na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1998-2000). Especialização em Cirurgia do Quadril, Joelho e Tumores Ósseos pela Universidade Federal do Paraná (2001). Especialização em “Adult Reconstruction and Total Joints” pela University of Tennessee – USA (2001-2002).

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