Artroplastia de Quadril >
Materiais e Tipos de Fixação

O resultado da artroplastia total de quadril é diretamente relacionado com a qualidade dos materiais utilizados na manufatura dos implantes. Apesar das pesquisas contínuas buscando novos materiais para as próteses de quadril, a configuração clássica da cabeça femoral de metal articulada em superfície de polietileno permanece a mais utilizada; porém o polietileno de ultra-alto peso molecular tem sido atualmente substituído pelo cross-link. Novas ligas metálicas tem sido desenvolvidas e, desta forma, a escolha do metal tem variado desde o aço inoxidável até ligas de cromo-cobalto e titânio-alumínio-vanádio ou ainda materiais cerâmicos (produzidos a partir de óxido de alumínio e óxido de zircônio), com excelentes características de baixa fricção e elevada resistência ao desgaste.

Os implantes devem ser biocompatíveis, não podendo causar reação inflamatória ou alérgica que possa causar reação e consequente afrouxamento do componente. Também não pode causar reação sistêmica por liberação de íons. O material ideal para os componentes de uma articulação de quadril deve ter elevada resistência à fadiga, alta resistência à cessão (ponto onde o material perde sua elasticidade e inicia deformação plástica) e dureza. Um baixo módulo de elasticidade poderia ser mais vantajoso em um componente não-cimentado porque reduziria o fenômeno de stress-shielding. No entanto, considerando-se o componente cimentado, um alto módulo de elasticidade poderia diminuir os esforços na manta de cimento ao entorno da haste e acetábulo e, desta forma, diminuiria o risco de falha da cimentação, mas ao mesmo tempo pode causar osteoporose por desuso. O módulo de elasticidade do osso varia de 5 a 30 GPa, o do cimento varia de 2 a 3 GPa, o do polietileno de ultra-alto peso molecular de 0,5 a 1,5 GPa e o dos metais variam de 96 a 135 GPa para as ligas de titânio, 200 a 210 GPa para o aço e 220 a 230 GPa para a liga de cromo-cobalto (Fig. 11) (4).

Fig. 11. Variações dos módulos de elasticidade dos diferentes materiais que compõem a artroplastia de quadril. As porções pretas indicam as variações entre os valores mínimos e máximos (Adaptado de Harkess e Daniels).

O cimento ósseo de polimetilmetacrilato é um material que mudou pouco ao longo de 50 anos, desde sua introdução por Charnley. O cimento serve como material de preenchimento para transferência de estresse do componente acetabular à superfície óssea, reduzindo e distribuindo a pressão. O cimento não é uma cola, pois não tem propriedades adesivas. Ele não se liga mecanicamente a uma superfície polida, mas se conecta, de certa forma, às superfícies ásperas por interdigitação. O cimento ósseo se torna um sólido quebradiço, relativamente rígido, apesar de ter um módulo de elasticidade menor que o do osso (Fig. 23.12) e tem uma resistência à compressão 3x maior do que ao cisalhamento ou à tração (4,7).

O manto de cimento deve ser uniforme e possuir no mínimo 2mm de espessura no componente femoral, otimizado por centralizador. No caso de acetábulos cimentados, o manto também deve ser uniforme e ter uma espessura de 2 a 5mm. O componente acetabular deve ser posicionado com uma inclinação entre 35 a 45º e uma anteversão de 10 a 20º (Fig. 12) (7).

Fig. 12. Posicionamento do acetábulo em abdução e anteversão

A resistência do cimento ósseo melhora com a diminuição de sua porosidade durante sua preparação (tamanho e número de bolhas). Além disso, a colocação de aditivos (sulfato de bário, antibióticos) pode diminuir sua resistência mecânica. Entretanto, esta queda não é significativa se for adicionado até 10% de sulfato de bário e se a dosagem do antibiótico for abaixo de 2g por 40g de cimento (4).

Desde a introdução do conceito de artroplastia de baixa fricção em 1960 por Charnley, a fixação por meio de cimento ósseo vem sofrendo evoluções por meio do melhoramento das técnicas e da tecnologia disponível. Evidenciam-se três estágios na evolução da técnica de cimentação:

  • 1ª Geração: Colocação manual (digital) do cimento ósseo no acetábulo e fêmur, sem plug ósseo;
  • 2ª Geração: Colocação de plug ósseo no canal femoral, lavagem pulsátil e colocação de cimento de maneira retrógrada, com pistola. Os implantes eram feitos com ligas mais resistentes, sem bordas e lisos;
  • 3ª Geração: redução da porosidade da cimentação por meio da centrifugação e da mistura à vácuo, introdução da pressurização do cimento e do uso de centralizador;
  • 4ª Geração: colocação de centralizador proximal.

Os acetábulos cimentados apresentam excelentes resultados a curto prazo, mas possuem taxas de afrouxamentos crescentes ao longo do tempo, sendo comuns já na primeira década. O afrouxamento ocorre mais frequentemente nos jovens e em pacientes mais idosos apresenta poucos sintomas. A soltura do acetábulo cimentado geralmente está associada em parte à interface cimento-osso obtida durante o procedimento cirúrgico. Melhores interfaces correspondem a uma maior sobrevida do implante. Outro contribuinte importante na soltura do acetábulo cimentado é a osteólise na interface cimento-osso causada pelo debris de polietileno e metais (desgaste). Portanto, maiores taxas de soltura estão associadas a pacientes jovens e ativos. Anteriormente ainda estava associada com maiores cabeças femorais – que proporcionavam maiores taxas de desgaste. Porém os materiais cerâmicos e o polietileno cross-link atuais permitiram a utilização de maiores cabeças femorais sem que houvesse um desgaste importante (4,7,20,30).

Em relação à prótese não-cimentada, a fixação do implante envolve os princípios de macrotravamento e de microtravamento. O macrotravamento ocorre pelo encaixe sobre pressão (press-fit), ou por meio de plugs, cavilhas e parafusos. O microtravamento usa o conceito de intracrescimento interno do osso nos pequenos poros, que proporcionam a fixação em tração, compressão e cisalhamento. Os pré-requisitos para a fixação óssea são a estabilidade imediata do implante e íntimo contato da superfície porosa com o osso viável. Micromovimentos de até 50 micrometros favorecem o crescimento ósseo, enquanto micromovimentos maiores favorecem o crescimento de tecido fibroso (4).

Berry et al. (36) mostram sua preferência pelo componente femoral não-cimentado para pacientes jovens e com boa qualidade óssea e da fixação cimentada para pacientes mais idosos e com má qualidade óssea. O autor discute que a morfologia do canal femoral pode influenciar na decisão sobre a melhor fixação, referindo-se à classificação proposta por Dorr et al (37). Pacientes com canal femoral estreito e com corticais espessas (Dorr tipo A) são bons candidatos para implantes não-cimentados. Pacientes com canal de geometria usual (Dorr tipo B) podem ser submetidos à fixação tanto com componentes cimentados como com os não-cimentados. Os pacientes com canais largos e corticais finas (Dorr tipo C) são candidatos preferenciais aos componentes cimentados.

No caso dos acetábulos não-cimentados, os resultados de alguns modelos ao longo de 10 anos são próximos ou bastante semelhantes aos dos acetábulos cimentados, mesmo em pacientes com alta demanda, conforme mostram os registros australiano, sueco, inglês, neo-zelandês e americano (24,25,26,27). A maioria dos acetábulos não-cimentados com cobertura porosa demonstrou baixas taxas de soltura e a fixação dos implantes mostrou-se similar aos cimentados no mesmo espaço de tempo.

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Dr. Leonardo Boschin

Ortopedista Especialista em
Quadril em Porto Alegre

Nascido no Rio de Janeiro (RJ) em 1974, foi aprovado em 1° lugar para graduação em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (1992 -1997). Residência médica na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1998-2000). Especialização em Cirurgia do Quadril, Joelho e Tumores Ósseos pela Universidade Federal do Paraná (2001). Especialização em “Adult Reconstruction and Total Joints” pela University of Tennessee – USA (2001-2002).

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A artroscopia de quadril é um procedimento cirúrgico minimamente invasivo realizado através de pequenas incisões, utilizando-se um aparelho chamado artroscópio para visualizar o interior de uma articulação.

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