A tribologia é definida do grego tribos (fricção, atrito) e é a ciência que estuda a interação de superfícies em movimento relativo entre elas, incorporando o estudo do atrito, lubrificação e desgaste. Quando consideramos a articulação natural do quadril, queremos baixa fricção e baixo desgaste e um bom lubrificante para que ocorra um movimento sem intercorrências. Da mesma forma, o baixo coeficiente de atrito é essencial para o bom desempenho de uma articulação artificial, podendo variar de acordo com o material utilizado e as combinações de contato (metal-polietileno, metal-metal, cerâmica-polietileno, cerâmica-cerâmica), o acabamento das superfícies, o lubrificante, a carga aplicada, pressão e temperatura de uso. O coeficiente de atrito de articulações normais varia de 0,005 a 0,02. A Tabela 1 apresenta valores médios de coeficiente de atrito para diferentes associações de materiais. Observa-se que a articulação natural ainda é a combinação com menor coeficiente de atrito, considerando-se os materiais apresentados (20,21).

Uma força de torque friccional é naturalmente produzida quando uma superfície entra em movimento relativo sobre a outra, no caso uma articulação de quadril ao exercer o arco de movimento. Ela tem uma relação direta da força friccional pelo comprimento do braço de alavanca, isto é, a distância que um determinado ponto da superfície da cabeça move-se ao realizar o movimento (Fig. 7). Esta força, por sua vez, depende do coeficiente de atrito, da carga aplicada e da área de contato entre a cabeça femoral e o acetábulo. Portanto, se duas configurações de artroplastia total de quadril realizarem o mesmo arco de movimento com cabeças de tamanhos diferentes, mas mantiverem a mesma carga aplicada, a força de torque friccional da cabeça com menor diâmetro será menor, razão pela qual Charnley escolheu a cabeça com 22mm e a configuração meta-polietileno como artroplastia de baixo torque friccional (7). Morrey e Ilstrup demonstraram uma maior incidência de soltura acetabular com a cabeça de 32mm do que com o componente original de 22mm de Charnley (22). Ocorre um maior desgaste volumétrico e reação osteolítica com a cabeça maior. De forma geral, a máxima quantidade e taxa de desgaste linear ocorre em componentes com 22mm, enquanto a máxima quantidade e taxa de desgaste volumétricos ocorre em componentes de 32mm (7,20,21).

Tabela 1. Valores de coeficientes de atrito

AssociaçãoCoeficiente de Atrito
Metal-Metal0,4 a 0,8
Metal-Polímero0,1 a 0,2
Polímero-Polímero0,1 a 0,3
Lubrificação com óleo0,03 a 0,1
Articulação com fluído sinovial0,005 a 0,02
Articulação sem fluído sinovial0,2 a 0,3

Fig. 7. Comparação entre as cabeças pequenas e grandes quanto à sua biomecânica. Observar que o espaço AB é maior à direita e, portanto, há maior desgaste volumétrico

A cúpula de polietileno de ultra-alto peso molecular foi um dos materiais mais utilizados na artroplastia do quadril. É formado através da polimerização do etileno e é excepcional para os implantes ortopédicos, uma vez que é biocompatível, proporciona uma superfície de baixo atrito e é notavelmente resistente ao desgaste. Charnley iniciou seu uso em 1962 após ter descartado o uso do Teflon como material de implante acetabular, já que este apresentava uma resistência muito baixa e uma elevada taxa de desgaste (4,7,12,23). Atualmente está sendo substituído pelo tipo cross-link, conforme se observa nos registros internacionais (24,25,26,27).

O desgaste do polietileno é o maior obstáculo na longevidade das próteses. Pacientes jovens e ativos, principalmente abaixo de 55 anos, do sexo masculino são os que apresentam maior risco para o desgaste acelerado (4,7,28). O polietileno tipo “cross-link” é obtido através do processo de irradiação do polietileno com raios gama. A irradiação do material produz “ligações cruzadas” na estrutura molecular do material. O polietileno é então submetido a um aumento de temperatura até alguns graus antes da temperatura de derretimento por um período de tempo preciso para remover os radicais livres. O polietileno tipo cross-link combinado com o tratamento térmico tem emergido como uma tecnologia para melhorar a resistência do polietileno contra o desgaste e a oxidação dos componentes acetabulares de ultra-alto peso molecular (UHMWPE). O cross-link não é uma tecnologia nova, porque a maioria das superfícies de rolamento convencionais de UHMWPE sempre foram esterizados com irradiação gama. A escala típica da dose da radiação para a esterilização gama é 25-40 kGy, conduzindo à esterilização do produto e a algum grau de cross-link. Consequentemente, a maioria dos polietilenos acetabulares de UHMWPE usados nas quatro décadas passadas sempre tiveram algum grau de cross-link. Entretanto, o nível de cross-link conseguido com a esterilização gama sozinho é muito mais baixo do que o que está sendo realizado com os métodos mais contemporâneos de radiação, seguidos por uma etapa térmica de tratamento. As mudanças nas propriedades mecânicas do polietileno tratados termicamente ocorrem primariamente por mudanças na densidade e na cristalinidade do mesmo (4,7,20).

Embora a falha do polietileno possa ocorrer devido a uma fratura ou a um desgaste externo, a modalidade mais comum de falha do polietileno é o desgaste interno na interface metal-plástico. O desgaste é mais frequente na porção súperolateral do componente e os fatores determinantes são o coeficiente de atrito, lubrificação, carga aplicada, diâmetro da cabeça, número de ciclos e dureza dos materiais. Existem quatro tipos de desgaste: abrasivo – a superfície mais dura produz sulcos na superfície mais mole, adesivo – o material mais mole solta fragmentos que se aderem ao material mais duro e a fadiga – o carregamento cíclico inicia fissuras, partículas ou delaminação e o material cruza o regime elástico, causando ruptura plástica. Por fim, tem-se o desgaste do tipo tribo químico, onde a oxidação das camadas protetoras dos materiais acelera seu desgaste (4,7,20,21).

A história do uso de materiais cerâmicos na artroplastia do quadril foi iniciado nos anos 70. Boutin et al. avançaram no uso de articulações cerâmica-cerâmica (31), quando Yoshitomi et al. propuseram o uso de uma cabeça femoral cerâmica que articulasse de encontro a um acetábulo de UHMWPE (32). As determinantes para estas aproximações eram a resistência à corrosão e a biocompatibilidade elevados da cerâmica, junto com sua resistência superior ao risco em comparação às ligas metálicas. Cerâmica-cerâmica tem a resistência de desgaste melhor comparada com a articulação convencional de CoCr/ UHMWPE. As aplicações iniciais da cerâmica na prótese de quadril usaram exclusivamente a alumina (Al2O3). Nos anos 80, a zirconia (ZrO2) foi introduzida para o uso com um componente femoral para ser utilizado em próteses cerâmica-UHMWPE devido a sua resistência mais elevada em comparação com a alumina (4,20).

Um inconveniente significativo dos materiais cerâmicos é sua força e resistência inerente mais baixos sob a tensão e à dobra, que são as modalidades de carregamento que favorecem a iniciação e a propagação das rachaduras. Um carregamento adverso, por exemplo, pode ocorrer na junção do atarraxamento entre a haste do metal e a cabeça cerâmica. Para impedir que esta conduza a uma quebra precoce, as tolerâncias no atarraxamento são combinadas e podem ser especificadas pelo fabricante. A colocação cirúrgica dos componentes pode também predispor os componentes cerâmicos aos estresses elevados e à fratura. A fratura das cabeças cerâmicas quando estão se articulando de encontro ao polietileno ou de encontro a um material cerâmico (impactos) é uma modalidade de falha clínica relevante e pode ocorrer mesmo com a zirconia mais forte. Entretanto, estas fraturas tem sido observadas menos frequentemente devido às novas gerações destes materiais cerâmicos, mais resistentes (1,4).

Em estudos de cabeças cerâmicas recuperadas utilizando-se microscopia eletrônica de varredura (MEV), observou-se pouca deterioração da superfície quando comparadas a cabeças sem uso, podendo ser até 20x menor que o de uma cabeça metálica. A Figura 10 apresenta o desgaste linear médio in vivo em mm/ano para as diferentes configurações de cabeça/acetábulo (20).

Fig. 10. Taxas de desgaste linear in vivo por ano para as configurações de cabeça-acetábulo encontradas na prática ortopédica

Referências

  1. Huo MH, Stockton KG, Mont MA, Parvizi J. What’s new in total hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Am 2010;92:2959-72.
  2. Schwartsmann CR, Boschin LC. O quadril adulto. In: Herbert S, Barros Filho TEP, Xavier R, Pardini Jr AG, Eds. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 4ed. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Projeção da população brasileira por sexo e por idade. Disponível na Internet: http://www.ibge.gov.br. 2015.
  4. Harkess JW, Daniels AU. Introdução e visão geral. In: Canale ST. Cirurgia Ortopédica de Campbell. 10ed. Rio de Janeiro: Manole/ SBOT; 2006. p. 223-42.
  5. Girdlestone GR. Acute pyogenic arthritis of the hip: an operation giving free access and effective drainage. Lancet 1943;241:419-21.
  6. Smith-Petersen MN, Larson CB, et al. Complications of old fractures of the neck of the femur: results of treatment of vitallium-mold arthroplasty. J Bone Joint Surg Am 1947;29(1):41-8.
  7. Harkess JW, Crockarell. Arthroplasty of the hip. In: Canale ST, Beaty JH, Eds. Campbell`s operative orthopaedics. 11th ed. Philadelphia, USA: Mosby/ Elsevier; 2007. p. 314-482.
  8. Urist MR. The repair of articular surfaces following arthroplasty of the hip. Clin Orthop 1958;12:209-29.
  9. Ring PA. Five to fourteen year interim results of uncemented total hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res 1978;137:87-95.
  10. Ring PA. Ring UPM total hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res 1983;176:115-23.
  11. McKee GK, Watson-Farrar J. Replacement of arthritic hips by the McKee-Farrar prosthesis. J Bone Joint Surg Br 1966;48(2):245-59.
  12. Charnley J. Arthroplasty of the hip: a new operation. Lancet 1969;1:1129.
  13. Charnley J. Low friction arthroplasty of the hip: theory and practice. New York: Springer-Verlag; 1979.
  14. Charnley J. The histology of loosening between acrylic cement and bone. J Bone Joint Surg Br 1975;57(2):245.
  15. Goldring SR, Schiller AL, Roelke M, Rourke CM, O’Neil DA, Harris WH. The sinovial-like membrane at the bone-cement interface in loose total hip replacements and proposed role in bone lysis. J Bone Joint Surg Am 1983;65(5):575-84.
  16. Sivash KM. The development of a total metal prosthesis for the hip joint from a partial joint replacement. Reconstr Surg Traumatol 1969;11:53-62.
  17. Fritsche A, Bialek K, Mittelmeier W, Simnacher M, Fethke K, Wree A, Bader R. Experimental investigations of the insertion and deformation behavior of press-fit and threaded acetabular cups for total hip replacement. J Orthop Sci 2008;13(3):240-7.
  18. Bobyn JD, Pilliar RM, Cameron HV, Weatherly GC. The optimum pore size for the fixation of porous-surfaced metal implants by the ingrowth of bone. Clin Orthop Relat Res 1980;150:263-70.
  19. Duffy GP, Berry DJ, Rowland C, Cabanela ME. Primary uncemented total hip arthroplasty in patients <40 years old: 10- to 14-year results using first-generation proximally porous-coated implants. J Arthroplasty 2001;16:140-4.
  20. Schwartsmann CR, Boschin LC, Gonçalves RZ, Yépez AK, Spinelli LF. New bearing surfaces in total hip replacement. Rev Bras Ortop 2012;47(2):154-9.
  21. Israel CL. Desenvolvimento de uma máquina para ensaios de desgaste em próteses totais de articulação de quadril. Porto Alegre. Tese [Doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Materiais] – UFRGS; 2010.
  22. Morrey BF, Ilstrup D. Size of the femoral head and acetabular revision in total hip-replacement arthroplasty. J Bone Joint Surg Am 1989;71(1):50-5.
  23. Charnley J, Halley DK. Rate of wear in total hip replacement. Clin Orthop Relat Res 1975;112:170-9.
  24. Australian Orthopaedic Association National Joint Replacement Registry. Annual Report. Adelaide: AOA; 2014
  25. Garellick G, Kärrholm J, Lindahl H, Malchau H, Rogmark C, Rolfson O. Swedish Hip Arthroplasty Register. Annual Report 2013
  26. National Joint Registry for England, Wales and Northern Ireland. 11th Annual Report 2014. Surgical data to 31 December 2013.
  27. New Zealand Orthopaedic Association. The New Zealand Joint Registry. Fifteen Year Report.
January 1999 to December 2013.
  28. Chana R, Facek M, Tilley S, Walter WK, Zicat B, Walter WL. Ceramic-on-ceramic bearings in young patients. Outcomes and activity levels at minimum ten-years follow-up. Bone Joint J 2013;95B:1603-9.
  29. Bartel DL, Burstein AH, Toda MD, Edwards DL. The effect of conformity and plastic thickness on contact stresses in metal-backed plastic implants. J Biomech Eng. 1985;107(3):193-9.
  30. 3

  31. Cooper HJ, Della Valle CJ. Large diameter femoral heads. Is bigger always better? Bone Joint J 2014;96-B(11 Suppl A):23-6.
  32. Boutin P, Christel P, Dorlot JM, Meunier A, de Roquancourt A, Blanquaert D, Herman S, Sedel L, Witvoet J. The use of dense alumina-alumina ceramic combination in total hip replacement. J Biomed Mater Res 1988;22(12):1203-32.
  33. Yoshitomi H, Shikata S, Ito H, Nakayama T, Nakamura T. Manufacturers affect clinical results of THA with zirconia heads: a systematic review. Clin Orthop Relat Res 2009;467(9):2349-55.
  34. Garbuz DS, Tanzer M, Greidanus NV, Masri BA, Duncan CP. Metal-on-metal hip resurfacing versus large-diameter head metal-on-metal total hip arthroplasty: a randomized clinical trial. Clin Orthop Relat Res 2010;468:318-25.
  35. Jacobsson SA, Djerf K, Wahlstrom O. A comparative study between McKee-Farrar and Charnley arthroplasty with long-term follow-up periods. J Arthroplasty 1990;5(1):9-14.
  36. Kothari M, Bartel DL, Brooker JF. Surface geometry of retrieved McKee-Farrar total hip replacements. Clin Orthop Relat Res 1996;329-Suppl:S141-7.
  37. Berry DJ, Harmsen WS, Cabanela ME, Morrey BF. Twenty-five-year survivorship of two thousand consecutive primary Charnley total hip replacements. J Bone Joint Surg Am 2002;84:171-7.
  38. Dorr LD, Faugere MC, Mackel AM, Gruen TA, Bognar B, Malluche HH. Structural and cellular assessment of bone quality of proximal femur. Bone 1993;3:231-42.
  39. Kwon YM, Thomas P, Summer B, Pandit H, Taylor A, Beard D, Murray DW, Gill HS. Lymphocyte proliferation responses in patients with pseudotumors following metal-on-metal hip resurfacing arthroplasty. J Orthop Res 2010;28:444-50.
  40. Glyn-Jones S, Pandit H, Kwon YM, Doll H, Gill HS, Murray DW. Risk factors for inflammatory pseudotumour formation following hip resurfacing. J Bone Joint Surg Br 2009;91:1566-74.
  41. Brodner W, Bitzan P, Meisinger V. Elevated serum cobalt with metal on metal articulating surfaces. J Bone Joint Surg 1997;79B:316-21.
  42. Chapman MW. Chapman`s orthopaedic surgery. 3rd ed. New York: Lippincott Williams & Wilkins; 2001.
  43. Wroblewski BM, Siney PD, Fleming PA. Charnley low-frictional torque arthroplasty: follow-up for 30 to 40 years. J Bone Joint Surg Br 2009;91(4):447-50.
  44. Wroblewski BM, Taylor GW, Siney P. Charnley low-friction arthroplasty: 19 to 25 year results. Orthopaedics 1992;15:421-4.
  45. Halley DK, Charnley J. Results of low friction arthroplasty in patients thirty years of age or younger. Clin Orthop Relat Res 1975;112:180-91.
  46. Buckwalter AE, Callaghan JJ, Liu SS, Pedersen DR, Goetz DD, Sullivan PM, Leinen JA, Johnston RC. Results of Charnley total hip arthroplasty with use of improved femoral cementing techniques, a concise follow-up, at minimum of twenty-five years, of a previous report. J Bone Joint Surg Am 2006;88(7):1481-5.
  47. Callaghan JJ, Templeton JE, Liu SS, Pedersen DR, Goetz DD, Sullivan PM, Johnston RC. Results of Charnley total hip arthroplasty at a minimum of thirty years. A concise follow-up of a previous report. J Bone Joint Surg Am 2004;86-A(4):690-5.
Dr. Leonardo Boschin

Ortopedista Especialista em
Quadril em Porto Alegre

Nascido no Rio de Janeiro (RJ) em 1974, foi aprovado em 1° lugar para graduação em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (1992 -1997). Residência médica na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (1998-2000). Especialização em Cirurgia do Quadril, Joelho e Tumores Ósseos pela Universidade Federal do Paraná (2001). Especialização em “Adult Reconstruction and Total Joints” pela University of Tennessee – USA (2001-2002).

icone estrutura completa

Estrutura Completa

icone especialidade ortopedica

Especialidades Ortopédicas

icone atuação

25 anos de atuação

imagem doutor leonardo boschin

Cirurgias do Quadril

imagem artroscopia de quadril thumb

Artroscopia de quadril

A artroscopia de quadril é um procedimento cirúrgico minimamente invasivo realizado através de pequenas incisões, utilizando-se um aparelho chamado artroscópio para visualizar o interior de uma articulação.

imagem protese de quadril thumb

Prótese de quadril

O sucesso de uma artroplastia total de quadril depende de 3 fatores críticos: escolha do paciente, escolha do implante e a técnica cirúrgica.

Blog

Procurando por um ortopedista
especialista em quadril?